Château de Chambord

Maio de 1995. Primavera na França. Mas, naquela manhã, fazia um frio invernal demais para a estação que eu julgava amena. Chuviscava em Blois — cidade que escolhi como base para a segunda etapa do meu desejo quase incontrolável de conhecer castelos medievais. Já havia visitado Ussé, Azay-le-Rideau, Villandry, Amboise e Blois. Agora seria a vez de CHAMBORD. E nem a chuva fina e o frio intenso me fariam desistir de mais essa “descoberta”.

Não foi fácil encontrar o ônibus que levava àquela localidade afastada, distante cerca de 15 quilômetros de Blois. Constatei que nem sempre falar francês resolve tudo: é preciso saber onde e a quem perguntar.

O ônibus era uma espécie de oásis às avessas, com seu sistema de aquecimento bastante conveniente para o frio inclemente que fazia no exterior. As poltronas eram tão confortáveis que devo ter cochilado por alguns minutos. Mas, de repente, o veículo silencioso no qual eu viajava em companhia de meia dúzia de passageiros, foi “invadido” por uma turma de crianças uniformizadas — todas numa algazarra significativa.
A chuva apertava e, ao longe, eu já podia identificar a silhueta de CHAMBORD contra o fundo cinza-chumbo. Um dos maiores castelos do mundo, o maior do Vale do Loire.

Achei que o ônibus fizesse ponto final junto ao castelo, mas foi com grande surpresa que o vi fazer a curva e retornar para Blois, depois de passar na porta da gigantesca construção. Corri até o motorista e avisei-o de que ficaria no castelo. Ele me olhou com certa indiferença, mas pediu que eu aguardasse: iria me deixar num outro ponto de onde eu poderia chegar a CHAMBORD.

Desci no meio do mato, debaixo da chuva. Havia uma alameda que conduzia ao castelo, que, daquele ponto, parecia estar a quilômetros. Comecei a seguir para lá a passos rápidos, na vã tentativa de não ter de correr para não me molhar muito. Talvez tivesse dado certo se a chuva não se transformasse numa tempestade. Corri sob o aguaceiro por um caminho que mais se assemelhava a um pântano. Cheguei encharcado junto ao castelo. Entrei pela primeira porta aberta que encontrei.

Foi estranho. O ambiente espaçoso e vazio, onde duas grandes lareiras haviam sido acesas, parecia ter me feito voltar no tempo. Por um instante flutuei numa nuvem de “antiguidade”. Aproximei-me do fogo, tirei meu casaco e tentei me aquecer um pouco. Talvez, em tempos remotos, algum outro homem tivesse repetido um gesto parecido com o meu… ou melhor: EU é que me senti repetindo uma ação que me soava natural, muito embora nunca a houvesse praticado. Mãos voltadas para o fogo, alternando com as costas para o mesmo calor, tentava me secar por inteiro. E o consegui, de certo modo. A enorme porta de madeira que dava para o lado de fora deixava ver uma estrutura semelhante a um cadafalso. A chuva pesada desabava. A estranheza ainda me dominava: queria sair do lugar, ir para outra parte do castelo, mas algo me retinha. O calor do fogo apenas? Não sei. E não tive tempo de descobrir: som de vozes, outros visitantes chagavam ao salão quebrando a quase aura de mistério por mim experimentada. 

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Texto publicado originalmente no POR UM TRIZ, meu blog anterior, em janeiro de 2005.
Nada como poder recorrer a antigos posts que nos “socorram” quando a inspiração nos falta, a paciência nos abandona e o tempo se esvai numa velocidade assustadora.