Tenho grande implicância com anúncios de emprego que pedem ao provável candidato para especificar quanto pretende receber pela função que desempenhará caso seja contratado. Fico sempre com a impressão de que tal estratégia se constitui numa espécie de leilão (oculto) às avessas, no qual os que derem os menores lances terão as maiores chances de contratação. Evidente que cada empresa deve ter o direito de formular os anúncios de seleção de emprego segundo seus próprios critérios, e cabe ao interessado (ou implicante, como eu) decidir se vai participar do tal leilão ou não.
Recentemente, respondi a um anúncio no jornal que solicitava um profissional com o perfil que considero ter — sim, eu ainda me sinto atraído por um emprego com carteira assinada (por mais antiquado que isso pareça hoje em dia). Para meu alívio, o anúncio não pedia que o candidato à vaga informasse sua pretensão salarial — o que me fez acreditar que o salário não seria leiloado; apenas não tinha sido divulgado (aliás, algo nada prático levando-se em conta que, no fim de tudo, o ordenado poderia não me interessar). Enfim, enviei o currículo e o link para meu portfolio, mas sem muita expectativa.
Dois dias depois, recebi uma resposta do setor de recursos humanos da tal empresa dizendo que meu currículo e portfolio se enquadravam no perfil que eles procuravam para a vaga de designer. Porém, para minha insatisfação, o e-mail terminava com a seguinte frase: “Gostaríamos de agradecer seu interesse e saber qual sua pretensão salarial para o cargo em questão”. Ou seja, eu não estaria livre do leilão: ele só não havia (ainda) sido anunciado. Pensando bem, se eu me enquadrava no perfil — o que significava, em tese, um tipo de prerrogativa —, não custava informar o que me solicitavam.
Sei bem quanto vale o meu trabalho e quanto eu gostaria de receber por ele. Sei também que os tempos estão cada vez mais difíceis para determinadas categorias profissionais e para contratações. A fim de não fornecer um valor totalmente fora da realidade, apesar de já saber a quantia que eu pretendia ganhar mensalmente, telefonei para uma amiga que trabalha na mesma área que eu e desempenha a mesma função. Ela me disse exatamente o valor que eu tinha pensado — R$ 200,00 a mais do que eu ganhava no meu último emprego há 4 anos. Assim, enviei minha resposta ao setor de recursos humanos.
Até hoje — e lá se vai quase um mês — não obtive resposta, mas não é preciso pensar muito para concluir que meu “lance” não deve ter sido dos menores. Por que, se era tão importante, a pretensão salarial não foi pedida desde o início? Ou antes: por que a empresa não revelou de uma vez quanto poderia pagar a fim de atrair apenas os realmente interessados? Porque, muito provavelmente, devem ter tido receio de, ao revelar o (baixo) salário, receberem apenas currículos e portfolios ruins, ou sequer os receberem. Deste modo, a tática do leiloamento deve corresponder à esperança de, talvez, obterem material de qualidade de alguém com pretensão salarial abaixo da média — o que não deve ser muito comum (ou será que me equivoco?).
Para que serve o tempo? Para ser aproveitado… tanto quanto para ser desperdiçado! Muitas empresas poderiam economizar tempo e também poupar o tempo dos pretensos candidatos se fossem mais objetivas, diretas, sinceras, em resumo, mais profissionais. É claro que não é a primeira vez que isso acontece ao longo da minha “carreira”, mas se fosse a última eu ficaria bastante satisfeito (não custa sonhar!). Em todo caso, fora o tempo perdido, não há o que lamentar: se não podiam pagar o que eu pretendia receber (que nem era tanto assim), eu não devia mesmo me enquadrar no perfil da vaga disponível.
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Adendo: escrevi este post ontem, domingo. Hoje pela manhã, encontrei na minha caixa de correspondência o e-mail da “empresa leiloeira” informando que a vaga já havia sido preenchida — que novidade! Agradeceram minha participação e disseram que meu currículo e portfolio ficariam arquivados no banco de dados para uma oportunidade futura — oportunidade que, para quem sabe ler nas entrelinhas, jamais acontecerá. Pelo menos se dignaram a me responder…
julho 23, 2007 at 6:07 pm
Penso o mesmo que você a esse respeito, Wagner. Eles fazem esse leilão para saber entre os que atendem aos requisitos da empresa qual o que topa ganhar menos, isto é, o mais desesperado. Com medo de pedir demais e perder a chance, muita gente pede menos.
Mas como autônoma não é muito diferente não. Quando anuncio meus serviços como revisora, por exemplo, sabendo que a maioria dos clientes são estudantes que não podem pagar muito e como preciso de trabalho, peço uma quantia irrisória dado o cuidado com que faço o trabalho. Já fiz os cálculos, um dia meu custa o mesmo que o de uma faxineira, aliás, menos. Por outro lado, já fiz uma revisão de tese para o amigo de uma amiga e ele comentou com ela que tinha achado muito barato — os revisores que ele havia procurado antes tinham pedido de 6 a 8 vezes mais.
Se a gente cobra o quanto vale, ninguém quer pagar, se a gente cobra pouco, deduzem que não somos bons na função. Minha vizinha, por exemplo, que me conhece há tantos anos, sabe que sou escritora, foi aluna de meu irmão na Faculdade de Comunicação, quando foi apresentar sua tese de mestrado contratou alguém que cobrava muito mais do que eu. Perguntei a ela por que não havia feito comigo, e ela, toda importante, respondeu: Mas ele é jornalista do Globo. Não titubeei: E eu sou escritora!
Pelo menos quando se faz tradução para uma editora o preço é tabelado, tanto por lauda, e pronto.
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Realmente, o que você disse sobre o trabalho autônomo me parece uma realidade cada vez mais presente — eu que o diga. Se a gente cobra caro por um trabalho de qualidade, a maioria não quer pagar; se cobramos barato, acham que é porcaria. Encontrar este MEIO-TERMO tem sido cada vez mais complicado para mim, que também trabalho, atualmente, como autônomo.
julho 25, 2007 at 5:30 am
Oi Wagner, passando rapidinho enquanto fecho às malas…
Aqui existe este mesmo problema: “pretensao salarial”. Vejo da mesma forma que você tudo isso. Tanto é que uma revista por aqui, no mesmo quilate da “Veja” em uma entrevista colocou um valor aproximado para as profissoes mais procuradas pelo mercado. Meu esposo passa pelo mesmo processo e conhecemos bem, por ele ser autônomo. Entao, estamos todos no mesmo barco e dancando a mesma música.
Grande abraco
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Eu só espero que esse “barco dançante” não afunde, Georgia. Ou seria melhor afundá-lo de vez?
julho 26, 2007 at 12:44 pm
Wagner,
Não sabia que era assim que agiam as empresas, sim, tem cara de leilão mesmo. É estranho. Eu também não ia gostar nada de colocar a minha pretensão salarial, seria mais sensato sentar e negociar.
Li tb o comentário a Sônia, que lástima a decisão da vizinha. Como tradutora tb tenho estes mesmos problemas…
abraços
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Mas essa “prática” não é coisa nova não, Leila. Já participei desses leilões vezes sem conta, e creio que nunca fui muito bem sucedido neles. Há outras “práticas” estranhíssimas que não só já presenciei como ainda experimentei. Acho que, para muitos, é possível saber quando uma empresa é realmente séria só de ler um anúncio de jornal. O pior é que muitos desses aspectos acabam se refletindo também na vida dos profissionais autônomos (vide comentário da Sonia).
julho 26, 2007 at 4:53 pm
Não sabe o quanto isso me irrita. E entristece. Passei por muita coisa parecida, OK que me faltavam sua qualificação e talento, mas a capacidade para se desvalorizar e saber engolir sapos deve ser pré-requisito de todos os que buscam um carimbo na carteira. Esse é o Brasil. 😦
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Pois é, Marie. O talento e a qualificação parecem estar cada vez mais em baixa na escala de valores profissionais (para muitas empresas, não todas, claro). E essa importância maior ao valor do salário acaba nivelando tudo por baixo — será que as “empresas leiloeiras” não enxergam isso?!?! Não deixa de ser triste, mais ainda para quem tem de se submeter a tais condições. Pena mesmo.
julho 27, 2007 at 11:45 pm
Olha, eu nao vim aqui falar de pretensao salarial nao. Vim aqui reclamar do senhor ter me viciado nesses existencialistas deprimidos. Agora aqui em casa nao se le outra coisa. O volume do momento eh “Os Mandarins”. Culpa sua que eu to lendo um livro de mais de 600 paginas quando la fora ta um veraozao lindo, o jeito eh ler tomando um solzinho. Que ma influencia voce eh. Mas eu te gosto mesmo assim. Beijo!
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Agora você talvez entenda, Carla, porque uma vez que comecei a ler os existencialistas só parei quando não havia mais nada disponível… Curiosamente, eu não os vejo tanto “deprimidos”, enxergo-os mais como realistas — e se a realidade não é lá muito alegre… Espero que você goste de OS MANDARINS (na minha opinião, o melhor romance de Beauvoir — não foi à toa que ela ganhou o Goncourt com ele), aliás, a tradução que eu li tinha 900 páginas(!!!), acredita? E ler ao sol talvez ajude a desfazer um pouco a atmosfera “cinzenta” de certas (muitas) passagens.
Beijo!
julho 28, 2007 at 7:46 pm
Eu sou autônoma também e penso tal e qual. Já passei por situação semelhante, então nem tenho muito o que dizer. Eu fico tão desanimada às vezes que fico com medo de chegar a hora em que estarei tão conformada que não vou ter mais força ou ânimo pra me irritar/incomodar. Enfim. Beijinhos.
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É verdade, Camille: às vezes eu também tenho receio de acabar achando essas estranhezas normais e nem me importar mais com coisa alguma. Porém, por enquanto, acho que não me acostumei com tais expedientes… a prova, creio, é este post.
Beijo.
julho 28, 2007 at 8:59 pm
Oi, Wagner.
Saudades daqui. Tanto tempo fora que acabo ficando toda desatualizada, mas vou ler tudo.
Acho bacana o tom com que escreve seus posts.
É sério, sem ser chato. Professoral, longe de ser pedante.
Enfim…
Sobre vagas de empregos… tudinho já vivido por mim. Nada agradável por sinal.
Não gosto de me sentir leiloada.
Sempre ficava com a sensação de que as empresas querem que nos sintamos todos desvalorizados. E terminamos por nos sentir assim.
Lastimável.
Uma coisa eu sei: quem perdeu foi a empresa por não te contratar.
Beijos.
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Que bom que gosta do meu jeito de escrever, Lidiane. Obrigado.
E concordo com o que você comentou: tenho a mesma sensação de que os candidatos (e suas habilidades) valem muito pouco para a maioria das empresas. E é mesmo quase inevitável se sentir desvalorizado diante de tal “leilão”, ou pior, depois dele, quando se constata que o lance foi bem maior do que desejavam…
Beijo!
julho 28, 2007 at 10:36 pm
É como ser vendido no mercado de escravos em Marrocos… Não só olham seus dentes, mas fazem a os cálculos da relação custo-benefício…
Ainda bem que, desta vez, me passaram o valor da hora-aula logo na entrevista, rs…
Sim, estou logada no WordPress. Resolvi mudar de ares! Achei bem mais interessante e organizado. Anota aí meu novo endereço:
http://ubermichnadann.wordpress.com
Beijos!
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Não deixa de ser verdade também essa imagem do mercado, Amanda — sendo que, neste caso, a escravidão é consentida (mas isso já é assunto para outro post, talvez).
E que bom que veio para o WordPress! Tem gente que acha ele muito “duro”, por não permitir que se alterem demais as coisas, mas para quem não necessita de tanta transformação (como eu) o espaço pode ser bem agradável e, o melhor de tudo, bastante prático. Já, já vou dar uma espiada na sua casa nova.
Beijo.
julho 30, 2007 at 9:09 pm
Eu ando pensando demais numa urgência de um movimento que resignifique a etiqueta humana, desde que Glorinha Kahlil me revelou que a tal etiqueta é um ‘pequena ética’. Precisamos, e como! De que as pessoas coloquem-se nos lugares dos outros, que haja mais honestidade nas relações, sejam quais forem. Indignada, também. Abraços.
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Faço uso freqüente da tática de me colocar no lugar do outro, Dai, e, realmente, tentar ter uma visão ambivalente pode modificar (para melhor) muitas situações — pelo menos eu acredito nisso. Pena que nem todos estejam dispostos a trocar de lugar com outrem, ainda que apenas por um minuto que seja.
fevereiro 9, 2009 at 2:41 pm
Muito obrigado por trazer à tona esse importante assunto, também concordo que isso é um leilão de mão obra.
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Obrigado pela visita e comentário, Anderson.
Pena que a realidade do “leilão” não parece muito perto de terminar…
novembro 3, 2009 at 5:21 am
Bom saber que existe pessoas com as mesmas dúvidas e certezas. Bem estou no último período de Gestão de Recursos Humanos, no último mês fiz 3 entrevistas e nas 3 entrevistas, foi perguntado a pretensão salarial, eu sempre respondo menos do que o cargo exige,mostrando para o selecionador que tenho força de vontade de crescer dentro da organização. A última o salário foi anunciado, e na hora da entrevista com o gestor da empresa perguntou qual seria a minha pretensão salarial, mesmo já sabendo o valor dei uma valor mais baixo,quase 300 reais a menos,o gestor reafirmou o valor e eu confirmei,e falei que o valor que eles estão oferecendo e maior do que o mercado oferece, e que é uma ótima oportunidade, ela agradeceu e agora estou aqui esperando a resposta se passei, a vaga é ótima, de seg a sex salário acima de mil reais.
novembro 4, 2009 at 6:46 pm
Obrigado pela visita e comentário, Marcelo.
Espero que você tenha conseguido preencher a vaga.
Abraço.
março 19, 2010 at 12:26 am
Estou passando pelo mesmo problema.
Um rapaz, do Orkut, colocou teu link em determinada comunidade sobre Pretensão Salarial. Li e adorei o que você escreveu.
É realmente muito triste passar por todas as etapas do processo seletivo, saber que você é bom no que faz, mas ser desqualificado pelo salário (justo) que “pediu”.
A vontade que dá é copiar o link desse post e colocar logo após os dois pontos da “Pretensão Salarial:”
Mas, infelizmente, precisamos do que estamos nos candidatando.
Abraços.
março 19, 2010 at 1:58 pm
Obrigado pela informação e pelo o comentário, Evelyn.
Espero que você não seja “descartada” por ter pedido o salário que julga merecer.
Abraço.